Dr. João Bôsco Mól Júnior

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é a doença crônica mais prevalente entre idosos, afetando mais de 60% da população acima de 60 anos e até 75% a partir dos 70 anos. Seu impacto é enorme: representa o principal fator de risco para doenças cardiovasculares (DCV), cerebrovasculares e renais, além de contribuir para declínio cognitivo e fragilidade. O envelhecimento populacional tem tornado a HAS no idoso um problema central de saúde pública, exigindo atualização constante dos profissionais quanto ao diagnóstico, tratamento e estratégias de prevenção.

Este artigo aborda aspectos epidemiológicos, fisiopatológicos, diagnóstico, metas terapêuticas, opções de tratamento e desafios no manejo da hipertensão arterial em idosos, com base nas diretrizes mais recentes.

Aspectos epidemiológicos e impacto clínico

Com o envelhecimento, a prevalência da HAS aumenta exponencialmente. Estudos como o NHANES (National Health and Nutrition Examination Survey) indicam prevalências de 60–70% em idosos. No Brasil, dados do Vigitel apontam prevalência superior a 65% em maiores de 60 anos. Além de prevalente, a HAS no idoso é um preditor robusto de eventos adversos: eleva o risco de acidente vascular cerebral (AVC), infarto agudo do miocárdio (IAM), insuficiência cardíaca (IC), doença renal crônica (DRC) e demência vascular. O impacto na qualidade de vida e na sobrevida é relevante, sendo a HAS controlada um dos principais determinantes da redução de morbimortalidade cardiovascular.

Fisiopatologia da hipertensão no envelhecimento

O envelhecimento provoca alterações estruturais e funcionais no sistema cardiovascular: aumento da rigidez arterial com perda de fibras elásticas e acúmulo de colágeno, levando a maior pressão sistólica; redução da complacência vascular, tornando a pressão diastólica relativamente mais baixa; padrão de hipertensão sistólica isolada (PAS ≥140 mmHg e PAD <90 mmHg), predominante no idoso; aumento da pós-carga e hipertrofia ventricular esquerda (HVE); e disfunção endotelial, com menor liberação de óxido nítrico e maior ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA). Além disso, alterações barorreflexas tornam o idoso mais suscetível a hipotensão ortostática, o que influencia o manejo clínico.

Diagnóstico e avaliação

O diagnóstico de HAS no idoso segue os mesmos critérios da população geral: pressão arterial ≥140/90 mmHg em pelo menos duas consultas diferentes. A aferição deve ser feita no consultório, e, se possível, complementada com monitorização residencial (MRPA) ou ambulatorial (MAPA) para descartar hipertensão do avental branco ou mascarada. A avaliação inicial inclui história clínica, exame físico, pesquisa de lesão de órgão-alvo (LOA) — como ECG, creatinina, albuminúria e fundo de olho —, avaliação do risco cardiovascular global e detecção de comorbidades (diabetes, dislipidemia, IC, DRC). É fundamental incluir avaliação funcional, cognitiva e do risco de quedas.

Metas de pressão arterial no idoso

As diretrizes divergem ligeiramente, mas há consenso geral: idosos robustos (<80 anos) devem ter PAS <140 mmHg e PAD <90 mmHg; idosos ≥80 anos ou frágeis devem manter PAS entre 140–150 mmHg, com ajustes individualizados; e nos casos de hipertensão sistólica isolada, a redução deve ser gradual, evitando hipotensão. Estudos como HYVET mostraram que reduzir a PAS para <150 mmHg em idosos ≥80 anos reduz mortalidade por AVC e IC, enquanto estudos como SPRINT-SENIOR e STEP sugerem benefícios em metas ainda mais rigorosas (<130 mmHg) em idosos robustos, mas com maior risco de hipotensão e injúria renal.

Tratamento não farmacológico

Antes e durante a terapia medicamentosa, as mudanças no estilo de vida são fundamentais: redução do sal na dieta (<5 g/dia de sal ou 2 g/dia de sódio); dieta balanceada rica em frutas, vegetais, grãos integrais e laticínios magros (DASH diet); atividade física regular (30 minutos de exercício aeróbico moderado, 5 vezes/semana); redução de peso em caso de sobrepeso/obesidade; moderação no álcool e abandono do tabagismo. As intervenções devem ser adaptadas à capacidade funcional, cognição e presença de comorbidades.

Tratamento farmacológico

O tratamento medicamentoso deve ser iniciado quando PAS ≥160 mmHg independentemente do risco, ou quando PAS ≥140 mmHg com LOA ou alto risco cardiovascular. Em hipertensão sistólica isolada, inicia-se quando PAS ≥160 mmHg. As classes de medicamentos recomendadas são diuréticos tiazídicos (clortalidona, hidroclorotiazida), inibidores da ECA (IECA) ou bloqueadores do receptor de angiotensina (BRA), bloqueadores de canal de cálcio (BCC) e betabloqueadores em indicações específicas. Alfa-bloqueadores são considerados apenas em casos com hiperplasia prostática benigna. Estratégias práticas incluem começar com doses baixas, titular lentamente, preferir combinações em baixa dose, monitorar hipotensão postural e avaliar interações medicamentosas, dada a polifarmácia comum no idoso.

Desafios no manejo

O manejo da HAS no idoso envolve desafios como fragilidade e multimorbidade, maior risco de hipotensão ortostática e quedas, adesão comprometida por polifarmácia e efeitos adversos, e necessidade de avaliação funcional contínua. Em idosos frágeis, muitas vezes adota-se a estratégia do “menos é mais”, priorizando a segurança, a qualidade de vida e a preservação da autonomia. Um cuidado centrado no paciente e individualizado é fundamental.

Evidências científicas recentes

O estudo HYVET mostrou redução de eventos cardiovasculares e mortalidade total com indapamida ± perindopril em idosos ≥80 anos. O SPRINT-SENIOR mostrou que metas de PAS <120 mmHg em ≥75 anos robustos reduzem IC e eventos cardiovasculares, mas com mais hipotensão e injúria renal. O STEP trial, na China, indicou que metas de PAS <130 mmHg em 60–80 anos foram seguras e eficazes para reduzir AVC e eventos cardiovasculares. Essas evidências reforçam a importância de ajustar metas terapêuticas conforme o perfil individual do idoso.

Hipertensão resistente

A HAS resistente (não controlada com três ou mais fármacos) é comum em idosos e exige investigação de causas secundárias, como hiperaldosteronismo primário, estenose de artéria renal, apneia obstrutiva do sono e uso de medicamentos interferentes (AINEs, corticoides, descongestionantes). O manejo inclui otimização do esquema, uso de espironolactona e tratamento das causas subjacentes.

Hipertensão e declínio cognitivo

A HAS mal controlada está associada a maior risco de comprometimento cognitivo e demência vascular. O controle pressórico protege a função cognitiva, principalmente quando iniciado precocemente. Em idosos com demência já instalada, metas menos rigorosas são recomendadas para evitar hipotensão e agravamento do quadro.

Considerações finais

A hipertensão arterial no idoso é uma condição complexa, que exige manejo individualizado e cuidadoso. Intervenções não farmacológicas são fundamentais, e o tratamento medicamentoso deve começar com doses baixas e combinações racionais, sempre atento a fragilidade, risco de quedas, hipotensão ortostática e polifarmácia. O sucesso terapêutico não se mede apenas pelo controle pressórico, mas também pela manutenção da qualidade de vida, preservação da autonomia e prevenção de complicações. O acompanhamento multiprofissional — envolvendo médicos, enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas e cuidadores — é essencial para alcançar os melhores resultados clínicos.

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